Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.
Murilo Mendes
Em homenagem aos meus 27 anos...
quarta-feira, 22 de abril de 2009
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Farsa ou "Os martirizados do tempo"

Já não se cabe nas intenções, no gesto acidental, disfarçado, repleto de desinteresse. Volta a si virando-se do avesso com a embriaguez de pensar-se mudo, célero, andante do caminho feito de teus nós. Nunca acorda, tenta alcançar mas acomoda-se no enlace da distância, na ternura da cegueira, na segurança da ausência.
Atado a claustrofobia do incerto - quanta razão permeia a vontade - passo: senta-se. A questão é "plantar-se na própria semente"*, "fugir da palavra pela porta da palavra"*: mas que porta? Que palavra?
Costumava tomar café com os dedos cheirando a cigarro... O entorpecer da realidade, o deitar-se de cansado, o prazer sutil de esconder o olho. Hoje não: intoxicação do pensamento repleto de pedaços, contínuo de tudo arrastando-se.
Somos a farsa de um querer, a herança dos martirizados do tempo de Baudelaire, um momento evitado. Despertar de um dia contrário, de um dia pendendo, caindo.
*Trecho do conto escrito na parede de casa por Cristhiano Aguiar
sexta-feira, 27 de março de 2009
Cicatriz ou qualquer coisa que se sinta.

A quem interessar possa o título deste texto (a quem ouso dedicar a cobra inteira, no encalço de Baudelaire), resolvo por aqui discutir minhas partes com vida própria.
Perceber que meus gestos inanimados constituem parte funcional do tédio (meu tédio) foi, desta forma intensa: assustador. Conflitos que surgem durante "passagens" (como se existisse uma portada através da qual mudássemos) geram desconstruções e a depender da intensidade de tais desconstruções o chão se liquefaz. Isto ocorre neste instante em que escrevo, tal qual não aconteceu de súbito, a percepção ao longo desta semana (atípica por ser inusitada...) me fez retroceder e enxergar fatos e pessoas que fui (eu) num passado que insiste em despertar melancolia e nostalgia. É como a seiva bruta no tronco de uma Sequóia: flui protegida por várias camadas de caule que mostram outra árvore que não a real fragilidade da sua existência. O amor, o desejo e em primeira análise a vontade aniquilaram-se de modo silencioso, através de circunstâncias diversas, deixando seus cadáveres formolizados, silenciosos, paralíticos e com os olhos abertos a enganar-me. Assim foram preenchendo as frestas da consciência, de vidro: escondendo a profunda indiferença e os aparentes sentidos atribuídos as coisas. Deste modo, o trabalho, as pessoas, "as coisas de que se gosta", foram assumindo corpo e comandando, cada uma por sua vez, o que se compunha neste contexto de: vida. É como cada um que entrava na cabeça de John Malkovich, é como uma coletividade de "eus" me vestindo, de acordo com a conveniência de cada qual que queira o seu "meu-eu". "Assim, não se pode aprender a amar, tal qual não se pode aprender a morrer" dito isto por Zygmunt Bauman, não se pode aprender a mudar: muda-se, como ama-se, como morre-se. Também não se pode aprender a desconstruir-se...
"Somos mais livres durante nosso tempo livre do que enquanto trabalhamos? É inegável que temos um papel ligeiramente diferente, pois enquanto somos produtores em nossas horas de trabalho, somos sobretudo consumidores em nosso tempo livre. No entanto não somos mais livres ao desempenhar um papel ou outro, e um não é necessariamente mais significativo que o outro. Como já mencionado, o tédio não é uma questão de trabalho ou de liberdade, mas de significado. Um trabalho que não confere muito sentido à vida é seguido por tempo livre do mesmo tipo". Lars Svendsen escreveu isto em "Filosofia do Tédio" e esta sensação de aprisionamento ao texto, assustado com a veracidade destas conclusões foi a descoberta de uma porta trancada, de uma janela fechada e de um lugar repleto de pedaços de "eu" entre outros tantos mortos. Seria talvez como Kundera disse "Hoje somos todos semelhantes, todos unidos por nossa apatia compartilhada em relação ao nosso trabalho. Essa mesma apatia tornou-se uma paixão. A única grande paixão coletiva de nosso tempo", este trecho encerra em si nossa pequenez, nosso eterno "pacto com a mediocridade", nosso eterno ser quem não somos para parecer sermos aquilo que nunca fomos. É como já disse Bernardo Vieira (bem citado por Cristhiano) "É disso que as ruas de São Paulo tentam convencer quem passa por elas: que está em outro lugar, num esforço inútil de aliviar a tensão e o incômodo de estar aqui, o mal-estar de viver no presente e de ser o que é". Esta náusea diária, liquidificada com insônia, este prazer de coisas que não têm vida, esta substituição inútil da solidão pelo gasto, esta perturbadora onisciência dos outros em nós, este momento de sentar em pleno asfalto e seguir o caminhar das baratas pelos bueiros, a percepção da falta de sentido: o sonho de Pessoa "Ver-me, ao mesmo tempo, com igual nitidez, do mesmo modo, sem mistura, sendo as duas coisas com igual integração entre elas..." faz-me, como já dito anteriormente, observar que tudo é igual a tédio. Afasia do meu instante que não ocorre: palavras alheias (sempre as palavras dos outros). Avolia.
"Sou a soma de todas as transgressões de mim mesmo, isto é, de tudo que faço. O que faço não é exterior a quem sou; ao contrário, pode-se dizer que é a expressão mais explícita disso." Este contraste, proposto por Svendsen, que por não ser menor não se mistura aos outros, acorda-me e impera questionando os dogmas, as "leis naturais" que carregamos conosco como herança da vida dos outros que decididamente não escolhemos seguir. Neste momento não temos a clareza das escolhas, pois a maioria do que vivemos não passa de um déjà vu mórbido, colorido, atemporal. Eles já viveram isso e assim vivemos novamente através deste mesmo momento vidas que não foram nossas mas institucionarizaram-se como regras, leis, intuições de uma verdade que nos foi atribuída como absoluta. O enfrentamento destas percepções me põe de frente à mim, como num reflexo infinito de dois espelhos - "É uma bebedeira de não ser nada" - como já escreveu Pessoa.
Fico, no entanto, com um pedaço de papel escrito a mão. Fico "esperando para começar o meu dia, mesmo que seja com muitas horas de atraso do meu despertar". Permaneço sentado no topo da torre de vigília - não adianta a simulação de se afundar no sono, nem dormir deveras - olho ao redor e revejo lentamente um a um de olhos bem abertos, sem vida, como estátuas de sal, minha "família do pensamento repleta de anões". A artificialidade como maneira de gozar a naturalidade. O beco perdido das minhas idéias. O sono da fuga iminente à espera da aurora boreal: a cicatriz que não me deixa esquecer.
domingo, 15 de março de 2009
Centro

Já fui eu,
já fui outro;
quantos de mim já foram, soltos?
tropeço de mim,
queda de mim,
já foram os outros;
hoje são os memos.
Fumaça de mim;
os cigarros queimados,
o ar; rápido...
onde foram os tantos:
de mim?
Rastro, escombro de mim,
vago,
pendular,
cancioneiro de mim.
A porta, a fresta, a dança microscópica,
olhos de mim,
arrasto de tantos,
suor de mim.
Velocidade, vento,
frio de mim,
aperto de mim,
aleatório, exato.
Entre mim e ti
sempre este lugar:
cheio de mim.
domingo, 22 de fevereiro de 2009
Ah.... O Carnaval....

Quem disse que o carnaval é alegria? - I serve my head on a plate...
Quem nunca viu um Pierrot chorando? - There's nothing here, but what is here is mine...
Quem revela felicidade em meio aos gritos? - Carve your name into my arm...
Sentado na calçada (rua de pedras)olhar pingando - All alone in space and time...
Tambores e trumpetes, a melodia dos mesmos - Too much poison come undone...
Troças aos montes, montes de pernas confusas - No circunstances could excuse...
Todos os telhados das casas, todas as sacadas - In the shape of things to come...
Quem viu passar? Quem passou? - Because there's nothing else to do...
Nosso nó desatado. - Every me, every you...
"Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz!"
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
O Homem da Gravata Florida
Lá vem o homem da gravata florida
Meu deus do céu... que gravata mais linda
Que gravata sensacional
Olha os detalhes da gravata...
Que combinação de côres
Que perfeição tropical
Olha que rosa lindo
Azul turquesa se desfolhando
Sob os singelos cravos
E as margaridas, margaridas
De amores com jasmim
Isso não é só uma gravata
Essa gravata é o relatório
De harmonia de coisas belas
É um jardim suspenso
Dependurado no pescoço
De um homem simpático e feliz
Feliz, feliz porque... com aquela gravata
Qualquer homem feio, qualquer homem feio
Vira príncipe, simpático, simpático, simpático
Porque... com aquela gravata
Êle é esperado e bem chegado
É adorado em qualquer lugar
Por onde ele passa nascem flores e amores
Com uma gravata florida singela
Como essa, linda de viver
Até eu, até eu, até eu, até eu, até eu,...
Jorge Ben Jor
- E olha que eu escutei isso numa rádio...
Meu deus do céu... que gravata mais linda
Que gravata sensacional
Olha os detalhes da gravata...
Que combinação de côres
Que perfeição tropical
Olha que rosa lindo
Azul turquesa se desfolhando
Sob os singelos cravos
E as margaridas, margaridas
De amores com jasmim
Isso não é só uma gravata
Essa gravata é o relatório
De harmonia de coisas belas
É um jardim suspenso
Dependurado no pescoço
De um homem simpático e feliz
Feliz, feliz porque... com aquela gravata
Qualquer homem feio, qualquer homem feio
Vira príncipe, simpático, simpático, simpático
Porque... com aquela gravata
Êle é esperado e bem chegado
É adorado em qualquer lugar
Por onde ele passa nascem flores e amores
Com uma gravata florida singela
Como essa, linda de viver
Até eu, até eu, até eu, até eu, até eu,...
Jorge Ben Jor
- E olha que eu escutei isso numa rádio...
domingo, 4 de janeiro de 2009
Eu vão: Feliz Ano Novo...
Chego em casa e a impressão se confirma...as coisas não mudaram (achei que mudariam?). O ano passado passou e algumas pequenas coisas seguem no encalço; lembro-me bem das palavras de Flavinha: somos no gerúndio! E esta idéia de continuidade, das coisas se movendo teve, neste fim de ano, seus elos reforçados. Pela primeira vez (não se traiam pelo ineditismo) não senti o ano acabar...não sei se é coisa de quem está ficando velho, ranzinza, mas não vi muita diferença daquelas noites que passo acordado trabalhando... Realmente existimos numa encadeamento que desespera, num moto-contínuo, numa eterna velocidade que apavora: e assim senti-me naquele momento. Não é o sentido intrínseco das coisas, como diria Pessoa: o único sentido intrínseco das coisas é estas não terem sentindo nenhum, mas é como no dia que deixei de acreditar em Papai Noel: mal da vida? crescer e perceber a funcionalidade das coisas... de fato que passei este começo de ano repensando estes conceitos de que a vida não são anos e sim um único grande ano que se finda na morte...daí talvez tenha mudado um pouco as percepções, pois se ao contrário dos anos que se sabe quando terminam, a vida não...essa velha sensação de imortalidade... (clichê)
Parece-me que contamos regressivamente (5,4,3,2,1...10 anos para aposentadoria, 1 ano para o vestibular, 2 anos para o fim do curso, 1 ano para terminar a tese...)
Renasço entre os vãos do calçamento, não atravesso minha sombra, o olho esquerdo arde, um pé sempre seguindo o outro, as mãos perturbadas...eu vão: o estado de antes.
É quando começo a contar...
Parece-me que contamos regressivamente (5,4,3,2,1...10 anos para aposentadoria, 1 ano para o vestibular, 2 anos para o fim do curso, 1 ano para terminar a tese...)
Renasço entre os vãos do calçamento, não atravesso minha sombra, o olho esquerdo arde, um pé sempre seguindo o outro, as mãos perturbadas...eu vão: o estado de antes.
É quando começo a contar...
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